A COVID-19 chegou, o país enfrentou o Estado de Emergência e o normal não voltará a ser o mesmo. Mas e se... O mundo não tivesse parado?
Ao longo das próximas semanas vamos viajar numa linha de tempo diferente, onde o mundo não parou e em março de 2020 é lançada uma entrevista ao Sr. Figueira, funcionário da Higiene Urbana, que diariamente serve a nossa comunidade.
Pela manhã, quando todos os outros saem para trabalhar há quem chegue a casa cansado após mais uma noite a cuidar e limpar as ruas da Estrela. Durante o dia, enquanto todos seguem num ritmo acelerado entre compromissos, há quem continue nas ruas, a preservar a magia das ruas lisboetas. Joaquim Figueira é um dos funcionários que, há mais de 34 anos, cuida das ruas da cidade.
Encarregado operacional da Higiene Urbana, Joaquim Figueira vê o seu trabalho como “um jogo de xadrez”, porque é necessário “adaptar constantemente o que foi planeado às prioridades”. Para fazer xeque-mate é necessário que as tarefas estejam completas: as sarjetas precisam de estar limpas, as ervas cortadas e as ruas lavadas. O jogo foi ganho e a Estrela mantém as suas ruas exemplares.
Ao longo dos últimos anos a preocupação ambiental aumentou e, apesar de ainda estar aquém do expetável, o comportamento das pessoas também mudou. No entanto ainda há quem incumpra o dever cívico de colocar os resíduos no devido lugar. Joaquim recorda um momento caricato... “Uma vez interpelei uma senhora, aqui na Lapa, por ter deixado um saco de lixo ao pé duma árvore. Não resisti e fui perguntar-lhe se se tinha esquecido do saco. A senhora perguntou onde queria que o deixasse e eu sugeri que o guardasse debaixo da cama. A senhora mostrou-se indignada com a minha sugestão e eu respondi-lhe que, na verdade, nem debaixo da cama dela nem junto à árvore eram bons sítios para o deixar e que o contentor seria o local mais indicado. E que se não tivesse, bastava pedir à Câmara que a mesma o fornecia gratuitamente. A senhora acabou por voltar para casa com o saco do lixo. Quando às vezes chamamos as pessoas à atenção, muitas pessoas dizem-nos que nós estamos cá para fazer esse trabalho”. Nem sempre é uma profissão valorizada pelos cidadãos, mas é uma das mais importantes. Só em Lisboa, “são produzidas dezenas de toneladas de lixo por dia” e se não fossem os cantoneiros a cidade não aguentava com tanta poluição.
“Os cantoneiros tinham fama de serem bêbados” ou “Os cantoneiros de hoje são diferentes”
Joaquim Figueira começou a trabalhar como cantoneiro depois da empresa onde trabalhava ter falido. “Nunca sonhei vir a ser cantoneiro”, mas a vida assim o exigiu. Quando começou a exercer a profissão recorda que “os cantoneiros de limpeza tinham fama de serem bêbados”, justifica o motivo que levava a esses hábitos. “Antigamente o lixo estava muito mais exposto”, tudo era deitado a céu aberto e os cantoneiros recolhiam esses resíduos. Muitos dos profissionais só “conseguiam fazer o trabalho quando estavam embriagadas, por causa dos cheiros”.
Felizmente a profissão reinventou-se e “hoje temos condições bastante melhores”. Joaquim garante que os contentores usados, as preocupações com a reciclagem e os carros automatizados permitem um serviço mais eficaz e também trabalhadores mais motivados. “Os cantoneiros de hoje são diferentes, há pessoas formadas a trabalhar!”
Para Joaquim Figueira o lixo é “uma grande riqueza que nós temos”, porque com a reciclagem é possível reaproveitar muito do que é deitado fora, “tudo tem um valor”.
No jogo de xadrez que é trabalhar na Higiene Urbana, Joaquim encara cada jogada como um desafio. No fim, sente-se um jogador feliz porque “as coisas no dia-a-dia correm bem e atingi os objetivos diários no trabalho.”
Entre o desperdício que vê diariamente e o trabalho árduo que enfrenta nas ruas, Joaquim concluí que “a felicidade está nas pequenas coisas que se tornam grandes”. E assim é o seu trabalho, passa despercebido entre a multidão, mas é graças a ele e a todos quanto trabalham na Higiene Urbana que as ruas mantêm a qualidade e beleza característica da nossa freguesia.